COP 26: o grito de socorro dos Estados insulares vulneráveis
Introdução
No presente artigo abordarei a temática citada pela COP 26, acerca das consequências do aumento do nível do mar nos Estados insulares, em especial aos localizados no Índico, Caribe e no Pacífico. Consequências essas, que vão além da temática de relações internacionais e inclui também o Direito Internacional.
A problemática trazida por Tuvalu, Maldivas, Fiji, entre outros Estados insulares na COP 26, traz a necessidade de inovação na ordem jurídica internacional, principalmente no que concerne aos refugiados climáticos e questões relativas ao Direito Internacional do mar, tendo em vista que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar se baseia na existência de uma porção de terra acima do oceano[1].
A proposta do presente estudo é apresentar os desafios do Direito Internacional em abranger as consequências das mudanças climáticas, em especial, os Estados insulares que tendem a desaparecer em poucas décadas devido ao aumento do nível do mar. (por conta do aumento da temperatura)
COP-26: Considerações dos Estados Insulares a serem afetados pelas Mudanças Climáticas
A COP-26 aconteceu em Glasgow no Reino Unido, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021 e foi considerada pouco ambiciosa. A questão da eliminação do uso do carvão que poderia ter sido um avanço, no texto final, foi alterado pela China e Índia para impedir um avanço consistente. Dessa forma, o texto “fim progressivo” foi alterado para “redução progressiva”, ou seja, a opção pela não eliminação na sua totalidade da utilização de carvão, mas a sua progressiva diminuição.
De maneira em geral a COP 26 foi finalizada com um acordo agridoce, poucos avanços realmente perceptíveis ao curto prazo, ignorando a urgência da questão, como o reforço de pagamento por parte dos países desenvolvidos para um fundo que ajudaria financeiramente os países em desenvolvimento vulneráveis; a adoção do Compromisso Mundial sobre o Metano; e também decisão sobre as Regras de Katowice que tange sobre aspectos já discutidos na COP 24 e incluídos no Acordo de Paris para delimitar a fiscalização das emissões de CO2.
Os Estados que mais percebem os efeitos das mudanças climáticas foram os que mais exigiram posturas mais ousadas na COP 26. Os chamados PEID/SIDS (Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento)[2] , grupos de Estados em desenvolvimento, que possuem como características: isolamento relativo, pequeno mercado, limitados recursos de exportação e vulnerabilidade as alterações climáticas, localizado no Caribe, Oceanos Pacífico, Atlântico e Índico, Mar Mediterrâneo e Mar do Sul da China. Atualmente o Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais (UNDESA) reconhece 51 Estados, sendo 13 destes não são membros da ONU, mas pertencem a comissões regionais. Esse grupo de Estados também criou em 1990 a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), com foco específico para enfrentar as alterações climáticas.
Os Estados que formam os PEID foram demasiados enfáticos em exigir uma postura mais firme dos países desenvolvidos perante a emergência climática, além de evidenciar a ameaça à própria existência do Estado, elesexigiram que os países desenvolvidos custeiem as perdas e danos resultante das alterações climáticas (Athaulla A Rasheed, 2021).
Durante o evento, como descrito por Athaulla, no que tange a emergência climática, Seychelles afirmou que a emergência se encontra cada vez mais grave e que desafia todos os aspectos das chances de sobrevivência futura. Os líderes do PEID exigiram urgência na questão, tendo em vista que sozinhos não conseguem contornar a crise e sobreviver.
Nesse aspecto da existência, as Ilhas Maurício afirmaram que a elevação do nível do mar vai causar deslocamentos maciços de pessoas localizadas, principalmente nas áreas de menor altitude. Maldivas, Antigua e Barbuda expressaram preocupação ao informar que, assim como eles, outros países desaparecerão do mapa. Tuvalu expressou a mesma preocupação, porém sem poder viajar por conta da pandemia do COVID-19, o Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores do pequeno país insular gravou um vídeo repassado no evento, onde ele discursou com as pernas submersas de água, em local que anteriormente era seco e hoje se encontra debaixo d’água.
Em relação ao aumento de 1,5 °C na temperatura, o PEID deixou claro que essa meta traçada pelo Acordo de Paris é a única possibilidade para sobrevivência de diversos Estados insulares. Esses foram os apelos de Fiji e Palau no COP 26 e Samoa informou que 1,5°C já incorrerá em danos severos, mas acima dessa elevação será catastrófico.
Quanto ao assunto de perdas e danos causados pelas mudanças climáticas, cabe elucidar que os Estados do PEID são um dos que menos contribuem para o aquecimento global, devido a sua baixa industrialização, porém serão os mais atingidos. Serão os que receberão os maiores encargos financeiros resultante das mudanças climáticas. Por isso, Seychelles foi enfático ao exigir medidas imediatas de financiamento a fim de proteger as pessoas, economia e meio ambiente, tendo em vista que o financiamento atual é insuficiente. Além disso, exigiu a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e um mecanismo de perda e danos das mudanças climáticas, a fim de possibilitar a mitigação dos prejuízos a serem causados pelo aumento da temperatura no planeta.
Esse financiamento é de fundamental importância, de acordo com o PEID, conforme destacou Barbados, que enfatizou a questão de sobrevivência uma vez que há ameaça potencial aos meios de subsistência, às terras e infraestrutura desses Estados.
Cabe aditar que, esse financiamento de perdas e danos não foi aprovado pela COP26, somente o financiamento para ajuda dos países em desenvolvimento vulneráveis, o qual já existe, mas sem efetivos recursos disponibilizados pelos países desenvolvidos.
Aspectos Jurídicos relacionado a Mudanças Climáticas
Primeiramente, os dados coletados e interpretados por (Sidney Guerra, 2021), advindos da ONU e que comparam o período de 1980 – 1999 e o período de 2000-2019, demonstram que o número de desastres naturais aumentou tanto em quantidade, como no total de mortes, total de afetados e também dólares perdidos pelos países afetados. Para efeitos de comparação no período 1980-1999 as Economias dos países afetados perderam 1,6 trilhões (bilião) de dólares e no período 2000-2019 o valor foi 2,97 trilhões (biliões) de dólares.
Enquanto não houver acordo ou previsão em Tratados Internacionais, continuará sendo os Estados mais vulneráveis a arcar com esses prejuízos. Porém, Tuvalu e Antígua e Barbuda planejam levar a questão sobre “perdas e danos” para o Tribunal Internacional do Direito do Mar. Em outras palavras, esses Estados propõem que sejam previstos como perdas e danos os processos mais demorados como salinidade das zonas costeiras por conta do aumento do mar, eventos rápidos como furacões, cheias e perdas não econômicas como impactos psicológicos, além de deslocamentos climáticos (Alteração Climática e Desenvolvimento, 2017)
Os dois Estados (Tuvalu e Antigua e Barbuda) são signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assim como a Índia, China e União Europeia, essas duas primeiras, as que emitem mais CO2 na atmosfera, juntamente com os Estados Unidos, porém, este último não é signatário da convenção e por isso não está submetido à jurisdição do Tribunal Internacional do Direito do Mar[3].
A estratégia desses dois Estados é levar essa questão de perdas e danos ao Tribunal, a fim de receber uma opinião consultiva. Na hipótese do Tribunal concordar com as alegações, poderá essa jurisprudência ter um efeito cascata em outros Tribunais internacionais, pelo menos é essa a esperança desses Estados.
Contudo, um caminho tortuoso e que ainda vai dar margem a muita discussão, discussão esta que poderia ter sido cedida pelas grandes potências na COP 26, tendo em vista que do ponto de vista científico, é quase unânime que as grandes potências estão causando o aquecimento global. Há o elemento dano, evidentemente, e o nexo de causalidade entre esse dano e aquele que causou o dano. Os grandes poluidores fazem um paralelo desse pedido de indenização com danos causados durante a escravatura no período colonial alegando a inconsistência do pedido. É um assunto que precisa ser debatido de forma urgente e que necessita ser acordado e incorporado em Tratado.
Ainda nessa discussão jurídica, o advogado Payam Akhavan que representa Tuvalu e Antígua e Barbuda questionou em entrevista para a BBC News[4] “Como uma nação inteira é compensada pela perda de seu território?”
Essa questão traz também outro ponto que é o fato dos refugiados climáticos, ou seja, refletir sobre vários povos sem território, sendo obrigados a evacuar de suas terras, e subsequentemente buscando abrigo em outros Estados com cultura distinta, sem condições financeiras. Estados inteiros precisarão se deslocar em busca de abrigo.
Cabe destacar que a Convenção relativa ao estatuto dos refugiados de 1951[5] não abrange os “refugiados ambientais” (não aplicando as proteções inerentes à Convenção, como o princípio do non refoulement) cuja definição de refugiados ambientais, definida pelo egípcio Essam El-Hinnawi, de 1985 (Sidney Guerra, 2021), é “aquelas pessoas que foram forçadas a abandonar seu habitat tradicional, temporária ou permanentemente, devido a uma grave interrupção ambiental natural ou desencadeada por pessoas, que comprometeram sua existência e afetaram seriamente a qualidade de sua vida. “Interrupção ambiental” significa qualquer mudança física, química ou biológica no ecossistema (ou a base de recursos) que o representam, temporariamente ou permanentemente, impróprios para suportar a vida humana”.
Nesse sentido, há dois caminhos, de acordo com Sidney Guerra, ou altera partes da convenção, ou cria-se um tratado relativo aos deslocados ambientais. Porém, mesmo sem constar nos tratados atuais, é preciso considerar sempre a proteção do princípio da dignidade humana, se utilizando de todos os mecanismos existentes no Direito Internacional a fim de proteger o refugiado, enquanto não preenche a lacuna jurídica.
Conclusão
Podemos concluir que, ao analisar as alegações dos PEID e dos Estados desenvolvidos na COP 26, a resistência dos países mais poluidores compromete com um desenvolvimento mais sustentável e ignoram a urgência da questão das mudanças climáticas e as consequências para o mundo como um todo.
Tanto a questão do uso do carvão pela China e Índia, como a inexistência de um acordo sobre a existência de perdas e danos acerca das mudanças climáticas, geram diversas críticas aos EUA, China, UE, Índia, Estados esses grandes poluidoras e detentores de maiores PIB (Produto Interno Bruto) do mundo, porém com preocupações pouco ousadas para proteção dos Estados mais vulneráveis.
Buscou-se demonstrar nesse artigo a necessidade de ampliar o rol de refugiados da Convenção de 1951, ou a criação de um novo tratado mais específico. Além de apresentar as deficiências jurídicas como a existência de Estados sem território e seu direito ao mar e a possibilidade de exigirem “perdas e danos” das grandes potências que mais poluem.
Assim, espera-se que apesar dos avanços tímidos na COP 26, as nações vulneráveis, bem como os demais Estados do planeta continuem exigindo espaço para as suas reivindicações, pois é questão de sobrevivência de um povo, da cultura e do território. Cada vez que uma conferência do clima falha, mais a água do mar avança sobre a humanidade.
[1]Artigo 5 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar: “Salvo disposição em contrário da presente convenção, a linha de base normal para medir a largura do mar territorial e´ a linha de baixa-mar ao longo da costa, tal como indicada nas cartas marítimas de grande escala, reconhecidas oficialmente pelo Estado costeiro.”
[2] Bahrain, Guinea-Bissau, Sao Tomé and Principe, Cabo Verde, Maldives, Seychelles, Comoros, Mauritius, Singapore, Antigua and Barbuda, Belize, Dominican Republic, Haiti, Saint Lucia, Trinidad and Tobago, Bahamas, Cuba, Grenada, Jamaica, Saint Vincent and the Grenadines, Barbados, Dominica, Guyana, Saint Kitts and Nevis, Suriname, Fiji, Micronesia (Federated States of), Papua New Guinea, Timor-Leste, Vanuatu, Kiribati, Nauru, Samoa, Tonga, Marshall Islands, Palau, Solomon Islands, Tuvalu, American Samoa, Bermuda, Commonwealth of Northern Marianas, Guam, New Caledonia, Sint Maarten, Anguilla, British Virgin Islands, Cook Islands, French Polynesia, Martinique, Niue, Turks and Caicos Islands, Aruba, Cayman Islands, Curacao, Guadeloupe, Montserrat, Puerto Rico, U.S. Virgin Islands.
[3] Artigo 288 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar: ‘1. O tribunal a que se refere o artigo 287o. tem jurisdição sobre qualquer conflito relativo à interpretação ou aplicação da presente convenção que lhe seja submetido em conformidade com a presente parte. 2. O tribunal a que se refere o artigo 287o. tem também jurisdição sobre qualquer conflito relativo à interpretação ou aplicação de um acordo internacional relacionado com os objectivos da presente convenção que lhe seja submetido em conformidade com esse acordo. 3. A câmara de conflitos relativos aos fundos marinhos do Tribunal Internacional do Direito do Mar estabelecida em conformidade com o anexo VI, ou qualquer outra secção ou tribunal arbitral a que se faz referência na secção 5 da parte XI, tem jurisdição sobre qualquer das questões que lhe sejam submetidas em conformidade com essa secção da parte XI. 4. Em caso de conflito sobre jurisdição de um tribunal, a questão será resolvida por decisão desse tribunal.”
[5] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59480079.amp acessado em 09/12/2021
[5] Definição de refugiado na Convenção relativa ao estatuto de refugiado de 1951 “Art. 1º – Definição do termo “refugiado” A. Para os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” se aplicará a qualquer pessoa: 1) Que foi considerada refugiada nos termos dos Ajustes de 12 de maio de 1926 e de 30 de junho de 1928, ou das Convenções de 28 de outubro de 1933 e de 10 de fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de setembro de 1939, ou ainda da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados; As decisões de inabilitação tomadas pela Organização Internacional dos Refugiados durante o período do seu mandato, não constituem obstáculo a que a qualidade de refugiados seja reconhecida a pessoas que preencham as condições previstas no parágrafo 2 da presente seção; 2) Que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. No caso de uma pessoa que tem mais de uma nacionalidade, a expressão “do país de sua nacionalidade” se refere a cada um dos países dos quais ela é nacional. Uma pessoa que, sem razão válida fundada sobre um temor justificado, não se houver valido da proteção de um dos países de que é nacional, não será considerada privada da proteção do país de sua nacionalidade.”
Bibliografia
- FERREIRA, P, M, D (2017Alterações Climáticas e Desenvolvimento. FEC – Fundação Fé e Cooperação e IMVF – Instituto Marquês de Valle Flôr.2017, pp.83-84.Disponível em: https://www.plataformaongd.pt/uploads/subcanais2/estudoalteracoesclimaticas- coerencia.pdf
- GRIGORYAN, E. HASANNUDIN,Z, A. ISGUT, A. MARTIN, P. MORRIS,D (2021), Debt- for-Climate Swaps as a Tool to Support the Implementation of the Paris Agreement, MPFD Policy Brief No. 121, ESCAP/1-PB12. Disponível em: https://repository.unescap.org/bitstream/handle/20.500.12870/3875/ESCAP- 2021-PB-Debt-for-Climate-Swaps.pdf?sequence=1&isAllowed=y
- GUERRA, S (2021). As mudanças climáticas como catástrofe global e o refugiado ambiental. Revista Estudos Institucionais. V.7. pp 537 – 557. Disponível em: https://estudosinstitucionais.emnuvens.com.br/REI/article/view/641/704
- MARTINS, A. ( 2021, 5 de dezembro). Mudanças climáticas: o país que se prepara para desaparecer. BBC Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59480079.amp
- NSDS. . Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Disponível em: https://nsdsguidelines.paris21.org/pt-pt/node/715
- RASHEED, A. (2021). Island Nations Demand Climate Security at COP26. Department of Pacific Affairs. DOI 10.25911/9009-XB48. Disponível em https://openresearch-
- SIC NOTICIAS. ( 2021, 14 de novembro) COP 26: Índia força alteração final sobre o uso do carvão mas compromete-se a reduzir a utilização. Disponível em https://sicnoticias.pt/especiais/cimeira-do-clima/2021-11-14-COP-26-India-forca-alteracao- final-sobre-o-uso-do-carvao-mas-compromete-se-a-reduzir-a-utilizacao-9888850c