Prestação dos cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável: análise da lei, doutrina e jurisprudência no Brasil e em Portugal

Introdução

No presente artigo abordarei a temática da prestação dos cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável, expressão essa advinda do artigo 25 da Lei 15/2014 da lei portuguesa e que será verificada à luz da legislação, doutrina e jurisprudência brasileira, em comparação com o ordenamento jurídico português. Esse estudo foi possível pois, ambos os ordenamentos jurídicos preveem o seu respectivo sistema de saúde como geral, universal e gratuito.

Em primeiro lugar, o direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro está previsto nos artigos 6°[1] , 196[2] e seguintes da Constituição Federal do Brasil, um direito de “segunda geração”, tendo vista que exigem comportamentos estaduais positivos (Vitalis, 2015, p.268).  Por outro lado, na legislação constitucional portuguesa a saúde se encontra amparada no artigo 64[3] da Constituição da República Portuguesa.

Um ponto importante que será analisado no trabalho é a análise da atual judicialização da saúde que ocorre no Brasil, ou seja, demasiadas ações que visam obrigar o Estado a fornecer medicamentos, cirurgias, consultas, causando diversos problemas para os administradores da máquina pública, o que por um lado é a efetivação de um direito social (saúde), por outro pode ser maléfico para aqueles que estão na fila de atendimento à espera da consulta ou cirurgia e serão preteridos em favor daquele que intentou a ação judicial, ou até mesmo o Estado ter que arcar com medicamentos muito caros e exigir cortes de orçamento em outros medicamentos ou cirurgias.

O Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como pilares a universalidade no acesso aos serviços, a igualdade no atendimento e a equidade na distribuição dos recursos (Zoboli, Fracolli E Granja, 2010, p.181).

Na visão dos autores citados, os sistemas de saúde, frequentemente, apresentam conflitos entre os objetivos da equidade e eficiência. Por conta desse limite de recursos, requer critérios e parâmetros a fim de priorizar o que e para quem será ofertado. Essa decisão sobre a prioridade dos recursos, depende fundamentalmente dos fatores políticos, econômicos, legais, ideologia e valores morais da sociedade.

Para melhor visualização, em um estudo realizado em São Paulo, entre os entrevistados, 93% utilizavam o SUS, para 72% os serviços de saúde prestados estavam resolvendo os problemas da população, 57,6% reclamou das filas para atendimento, 69,5% afirmou ter confiança na equipe de saúde (Moimaz, Marques, Saliba, Garbin, Zina, Saliba, 2010, p.1419).

O SUS foi previsto, primeiramente, na Constituição Federal de 1988, se baseando em uma descentralização e um fortalecimento do poder municipal. Por conta disso, em 1990 as Leis n°s 8.080/90[4][5] (o qual dispõe sobre a definição, competências, objetivos, atribuições, diretrizes, princípios do Sistema Único de Saúde) e 8142/90[6] (Moimaz, Marques, Saliba, Garbin, Zina, Saliba, 2010, p.1420), que trata da participação da comunidade na gestão do SUS e sobre a divisão de recursos financeiros na área da saúde intergovernamental.

Diante do exposto, é possível identificar o papel do SUS, como um sistema que busca um tratamento de saúde adequado[7], dentro de suas limitações, propõe um tratamento integral, universal e gratuito em um território de proporções continentais e que inclui além dos residentes no país, qualquer estrangeiro que ali esteja. Essas características, por um lado tem como objetivo resguardar o direito à vida, a saúde, ao bem estar social, do outro lado exigirá um grande esforço do Estado em abarcar esse grande universo de pessoas com necessidades, mas com limitações das possibilidades financeiras do Estado.

A prestação dos cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável no Brasil

O Brasil ao incluir o direito à saúde em seu ordenamento jurídico em sua esfera constitucional sob o enfoque da universalidade e igualdade de acesso, se por um lado é uma grande conquista do Estado Social, por outro demonstra um desafio ao Estado, pois como manter níveis mínimos de qualidades e a manutenção da universalidade sem prejudicar a sustentabilidade financeira do Estado e a justiça intergeracional (Vitalis, 2015, p.270).

Após feitas essas considerações iniciais, cito as listas de espera nos cuidados de saúde brasileiros, instrumento esse que organiza e ordena as necessidades em saúde, a fim de garantir um tratamento mais igualitário e cumprir com os objetivos elencados pela Constituição. No Brasil, a procura pelos serviços especializados superam a capacidade de oferta, ocasionando as listas de espera, tornando o maior problema do SUS (Aguiar, 2018, p.20).

Importante citar a Portaria n° 4279 de dezembro de 2010 que estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no SUS, o qual conceitua a lista de espera:

“Lista de espera – pode ser conceituada como uma tecnologia que normatiza o uso de serviços em determinados pontos de atenção à saúde, estabelecendo critérios de ordenamento por necessidades e riscos, promovendo a transparência, ou seja, constituem uma tecnologia de gestão da clínica orientada a racionalizar o acesso a serviços em que exista um desequilíbrio entre a oferta e a demanda.”

Assim, os pacientes ficam em uma sala de espera virtual, aguardando o mesmo procedimento, sendo chamados um por vez. Essa fila de espera é uma realidade muito frequente no Brasil, porém é de extrema importância o controle adequado dela, para se evitar situações de venda do lugar da fila, influência política ou qualquer favorecimento, como citado Aguiar (2018, p.20).

Aguiar (2018, p.20) aponta também que as listas de esperas podem ser vistas como uma incapacidade do sistema de saúde em satisfazer as necessidades elementares dos cidadãos. Um problema crônico dessas listas é a inexistência de um sistema de informação que permita um cruzamento de dados a fim de dar mais transparência e a priorização dos casos mais urgentes[8].

Por conta dessa falta de transparência e também pela urgência em alguns casos que não podem ficar por muito tempo na fila de atendimento, muitas ações judiciais são intentadas. A quantidade excessiva de ações causa um grande prejuízo nos orçamentos municipais e também estaduais, que normalmente cuidam das intervenções de saúde de menor complexidade.

Como perceberemos a seguir com a jurisprudência, é necessário a urgência, a fim de não prejudicar os demais da fila de espera:

“EMENTA: APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CATARATA – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO – URGÊNCIA NÃO VERIFICADA – FILA DE ESPERA – PRINCÍPIO DA IGUALDADE – PROCEDÊNCIA DO PLEITO INICIAL – APELO PROVIDO.

– Ausente, nos autos, prova de que o paciente esteja correndo risco de vida ou outras consequências irreversíveis, a justificar a realização do procedimento cirúrgico em caráter de urgência, deve ser respeitada a fila instituída no Sistema Único de Saúde para pacientes na mesma situação, visando assegurar o atendimento a todos os necessitados de forma isonômica.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0249.15.000950-7/002, Relator(a): Des.(a) Carlos Levenhagen , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/03/2018, publicação da súmula em 07/03/2018)”

Por outro lado, a saúde é um direito constitucional e social e precisa ser sempre resguardada, por isso, boa parte dos julgados concedem um direito a “furar a fila”, por conta da urgência, criando uma fila paralela, com aqueles que demandaram as ações judiciais primeiro e posteriormente aqueles que não a intentaram, mas que podem ser igualmente urgentes ou que já esperaram demasiadamente e pode prejudicar o tratamento.

“APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA. Fornecimento gratuito de cirurgia. Paciente diagnosticada com cálculos na vesícula biliar. Sentença de procedência. Cabimento da ação à vista do bem jurídico tutelado, a vida. Responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde – Tema 793 do STF. A autora comprovou a necessidade da cirurgia descrita na petição inicial. Dessa forma, cumpre ao ente público demandado o seu fornecimento. Juros de mora sobre os honorários advocatícios. No caso de condenação da Fazenda Pública, os juros de mora devem incidir a partir do atraso no pagamento do respectivo precatório ou requisição de pequeno valor, conforme disposto no artigo 100 da Constituição Federal e do artigo 910 do Código de Processo Civil. RECURSO DA FAZENDA DO ESTADO PARCIALMENTE PROVIDO, RECURSO DO MUNICÍPIO DESPROVIDO E REMESSA NECESSÁRIA NÃO ACOLHIDA.  
(TJSP;  Apelação Cível 1002476-55.2020.8.26.0337; Relator (a): Antonio Celso Faria; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Mairinque – 1ª Vara; Data do Julgamento: 31/03/2022; Data de Registro: 31/03/2022)”(meus grifos)

O julgado acima demonstra que quando está em causa um caso urgente e que implicaria em prejuízos ao direito à vida e direito à saúde, qualquer dos três entes federais tem responsabilidade solidária para assegurar a realização do método médico.

Por outro lado, surgem questões trazidas pelos entes públicos para se esquivar dessa responsabilidade, a “teoria da reserva do possível[9][10] é a mais utilizada, ou seja, as necessidades sociais são infinitas, já os recursos, finitos.

Para Gilmar Mendes, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal e Paulo Gonet Branco: “não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam e recuperam a saúde[11].

Em uma pesquisa realizada por Freitas, Fonseca e Queluz (2020), ao analisar diversos artigos e decisões judiciais que versavam sobre a judicialização da saúde, chegou-se à conclusão que: a prescrição médica é prova suficiente nos processos jurídicos; a maioria das demandas busca acesso a medicamentos[12]; utilizando-se do Índice paulista de Vulnerabilidade Social, foi observado que, em maior parte, a população atendida por decisões judiciais tem melhores condições socioeconômicas, residindo assim em áreas com pouca ou nenhuma vulnerabilidade social.

Como percebe-se, há muito conflito na justiça e doutrina brasileira acerca da judicialização da saúde, causada tanto pela tentativa de conseguir um certo medicamento, como para ter um lugar mais privilegiado na Lista de Espera do atendimento. Por toda essa situação, cria-se um conflito entre reserva do possível x mínimo existencial.

O mínimo existencial[13], um dos pontos centrais de um Estado social deve muito relevante ser levado nessa questão, tendo em vista que entende-se que o Estado não tem recursos suficientes, porém não se pode ignorar as necessidades básicas do cidadão. Nos estudos de Sousa (2021, p.44) acerca da fila de atendimento no Município de Goiânia, havia pacientes aguardando cirurgias eletivas desde 2015 e consulta especializada desde 2013.

A consulta especializada (oftalmologia, cirurgia plástica, otorrinolaringologia, angiologia, urologia, entre outros) com uma fila tão extensa, revela, na visão de Sousa, uma barreira de acesso à saúde, tendo em vista que o paciente, em muitas vezes, ainda não tem o seu diagnóstico, dificultando ou até impedindo o seu tratamento. Diz ainda, que em 2019, o Município tinha onze mil pacientes aguardando por consulta com psiquiatra, com agendamento de pessoas que estavam desde 2016 na fila.

Esses dados do Município de Goiânia trazidos pela jurista permitem observar o panorama da saúde brasileira como um todo, pois os demais municípios brasileiros também sofrem com uma grande fila de espera. Esses dados foram coletados em 2019, antes da pandemia mundial do coronavírus, portanto pode ter se agravado ainda mais esse cenário, tendo em vista que as cirurgias eletivas e outros tratamentos foram interrompidos durante os picos de infecções para permitir o atendimento das pessoas infectadas pelo vírus durante a fase mais crítica da pandemia.

Assim como foi apontado anteriormente, além da falta de um sistema de informação que permita um cruzamento de dados, Sousa (2021, p.47) em sua pesquisa aponta a falta de transparência[14], a grande centralização dos serviços, grande quantidade de encaminhamentos desnecessários originários da atenção básica como também grandes responsáveis pela grande fila de espera, sendo que essa última citada seria possível contornar a partir de protocolos mínimos, ou seja, criar critérios mínimos para o encaminhamento, o qual iria pressupor que o médico esgotou as hipóteses de investigação e tratamento na atenção básica. A falta desses protocolos, incorre em um aumento exagerado da fila[15].

O Sistema Único de Saúde brasileiro não tem bons mecanismos para a resolução individual das demandas. Apesar de ter entre os seus princípios a participação popular e prever conselhos com membros da sociedade em sua lei n° 8142/90, há dificuldade de organização das classes populares em mudar esse quadro, enquanto na parcela mais rica já estão abastecidos pela rede particular e não há muito interesse em melhorias do SUS (Sousa ,2021, p.44).

Portanto, não há mecanismos de controle de fila de espera, e a maioria dos municípios não trata essas informações com transparência (Sousa ,2021, p.44), o que leva a esse caos e prejuízo ao paciente que em muitos casos não tem condições financeiras para arcar com a saúde suplementar oferecido pelo ente privado.

Gráfico 1: BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A saúde na opinião dos brasileiros: um estudo prospectivo: parte II. Brasília, 2003. 82 p.

Nessa esteira, os usuários da rede da saúde suplementar, ou seja, aqueles que tem condições de arcar com planos de saúdes privados (por seu custo elevado não são tão acessíveis, como vemos no gráfico abaixo) podem usufruir de uma vantagem que não há na legislação que abarca a saúde pública: Uma lista de prazos para atendimento.

Gráfico 2: BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A saúde na opinião dos brasileiros: um estudo prospectivo: parte II. Brasília, 2003. 56 p.

A saúde suplementar é regulada pela ANS (Agência Nacional de Saúde), a qual tem como objetivo a regulamentação legal e administrativa do mercado de seguros privados de saúde. Importante mencionar a resolução 259 da ANS[16]. Esta resolução fixa os prazos máximos para o atendimento do paciente na saúde suplementar, variando de 7 a 21 dias[17] (Sousa ,2021, p.38).

A existência dessa lista, além de uma regulamentação maior por parte da ANS, demonstra uma preocupação maior com a saúde suplementar, enquanto as leis que regem o SUS não resolvem o problema.

Assim, a judicialização da saúde no Brasil é uma discussão necessária, tendo em vista que por um lado exige muitos recursos estatais, excedendo o limite, ou seja, a teoria da reserva do possível e do outro o princípio do mínimo existencial. É necessário muitas políticas públicas, empenho da parte legislativa e um melhor uso do dinheiro público, com foco na transparência de dados da fila e um regramento mínimo para se evitar encaminhamentos desnecessários.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal

Em primeiro lugar, o direito à saúde foi incluído na Constituição da República Portuguesa em 1976, tendo em vista que a Constituição assenta pelo Estado Social e Democrático de Direito (Nunes, 2017, p 17).

O direito à saúde foi incluído no artigo 64[18] da Constituição e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi incluído no número 2, alínea a)[19] desse artigo. Além disso, no que tange à matéria infraconstitucional, Lei de Bases da Saúde, em sua base 20[20] é essencial para observarmos as suas competências, princípios e características.

Ao analisar a base 20 sob uma ótica mais aprofundada, percebemos os três pilares do SNS: universal, geral e tendencialmente gratuito. Em primeiro lugar, universal entende-se como dirigido a todos, nacionais e estrangeiros. Em segundo lugar, geral entende-se que não poderá excluir o tratamento de doenças, se o paciente estiver ao cuidado do SNS, esse deve prestar todos os cuidados para a cura do doente, caso não tenha disponível o tratamento, transferirá para uma unidade de saúde no estrangeiro e reembolsará o paciente das custas. Em terceiro lugar, tendencialmente gratuito entende-se como admitido a existência de taxas moderadoras, com a finalidade de moderar a utilização do sistema de saúde para evitar o seu uso inútil, contudo sem que essas taxas signifiquem obstáculo ao acesso, mas em regra o serviço é gratuito.

Nessa linha, o SNS contém uma rede de órgãos e serviços, sob uma gestão descentralizada, desconcentrada e democrática, na dependência do Ministério da Saúde, visando a prestação de cuidados globais de saúde a toda a população. (Nunes, 2017, p 23).

Importante apontar que a prestação de cuidados de saúde realizada pelo SNS, apesar de sua generalidade, universalidade e gratuidade, há limitação quanto aos tratamentos disponibilizados pelo SNS, tendo em vista que tomando em conta os recursos financeiros que o Estado português dispõe, é inviável o oferecimento de todos os tratamentos possíveis. A obrigação é de fato o oferecimento do tratamento adequado e recomendado pela literatura médica.

Em outras palavras, o SNS não é obrigado a custear tratamento que não está na sua gama de procedimentos, se já oferece tratamento que de acordo com a literatura médica é um tratamento adequado para a patologia. Isso se dá pela limitação financeira do SNS e considera-se não ser razoável para a sociedade, abarcar um tratamento mais custoso, que por vezes não se sabe se há eficácia, para atingir um possível resultado superior.

A prestação dos cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável em Portugal

Em primeiro lugar, podemos observar pela jurisprudência portuguesa, que há uma importância crescente em garantir o direito fundamental à saúde, garantir também a universalidade, gratuidade e generalidade dos serviços prestados pelo SNS, podemos ver no acórdão a seguir essa importância à saúde e já citando o que falaremos nesse capítulo: a garantia do atendimento em tempo clinicamente aceitável:

“Acordam os juízes que compõem a Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I–Relatório

Inconformado com a decisão do Tribunal da  a qual manteve in totum a decisão da Entidade Reguladora da Saúde que o condenou, pela prática de uma contraordenação respeitante ao incumprimento das regras relativas ao acesso aos cuidados de saúde, em concreto, violação do direito de acesso universal e equitativo à prestação de cuidados de saúde no SNS, por via de uma prática de rejeição infundada de um utente no Hospital de Santo André, explorado pelo infrator, no pagamento de uma coima no valor de € 2.500,00 veio o CENTRO HOSPITALAR DE LEIRIA, E.P.E., com o NIPC 509.822.932, com sede na Rua das Olhalvas, Pousos, 2410-197 Leiria, recorrer para este Tribunal da Relação formulando, após motivações as seguintes conclusões:

(…)

Como justamente se salientou na decisão recorrida “A universalidade do Serviço Nacional de Saúde pressupõe que todos os cidadãos, sem excepção, estejam sob a égide das políticas de promoção e protecção da saúde e possam aceder aos serviços prestadores de cuidados de saúde.

(…)  o artigo 4.° da Lei n.° 15/2014, de 21 de Março estabelece o seguinte.

“1– O utente dos serviços de saúde tem direito a receber, com prontidão ou num período de tempo considerado clinicamente aceitável, consoante os casos, os cuidados de saúde de que necessita.

“2– O utente dos serviços de saúde tem direito à prestação dos cuidados de saúde mais adequados e tecnicamente mais correctos.

“3– Os cuidados de saúde devem ser prestados humanamente e com respeito pelo utente.”” (grifos meus) (Processo 188/19.7YUSTR.L1-PICRS, Relator Rui Teixeira, Tribunal da Relação de Lisboa, Sessão de 19 de Maio de 2020)

O segundo ponto a se considerar é o fato de que o tempo de espera para cirurgias eletivas, ou mesmo para consultas é uma preocupação da política de saúde dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), principalmente nos países em que a cobertura de saúde é universal e financiada pelo orçamento estatal (Reis, 2014, p. 18).

A vinda da Lei n° 15/2014, em seu artigo 4°[21] e 25[22] que inclui os objetivos da Carta dos Direitos de Acesso, com o qual constam as informações objetivas de tempos de esperas clinicamente aceitáveis, foi apenas a ponta do iceberg de medidas que visam, desde a década de 1990, reduzir a espera do atendimento.

Reis (2014, p. 20) destaca os programas tais como: em 1995 a criação do Programa Específico de Recuperação de Listas de Espera; em 1999, o Programa Promoção do Acesso; em 2002, o Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas; em 2004, o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia.

O autor supracitado informa que antes da criação desses programas, em junho de 1992, havia na Administração Regional de Saúde do Norte, uma lista de espera de 92 mil utentes com uma média de espera de 223 dias. O primeiro programa surgiu com o foco de reduzir as listas de espera de cinco patologias consideradas de maior impacto social: varizes, histerectomia, cirurgia da próstata, artroplastia da anca e cirurgia de catarata. Os programas que vieram a seguir aperfeiçoaram.

Ainda nessa linha, em 1999, o Programa para a Promoção do Acesso estabeleceu os Tempos de Espera Clinicamente Aceitáveis criados por um conjunto de médicos na Região Centro para determinadas patologias. Esse programa era gerido a nível regional. Foi somente em 2005 que os programas se mostraram eficientes, havendo um decréscimo significativo dos tempos de espera (Reis, 2014, p. 22).

Um passo importante foi dado em 2008, com a criação do sistema integrado de referenciação e gestão do acesso à primeira consulta de especialidade hospitalar nas instituições do SNS, a Consulta a Tempo e Horas (Couto, 2022, pg.7). Ainda foi verificada na pesquisa de Couto, que esse sistema integrado é efetivo para o crescimento de consultas e a redução da fila de espera, além de um aumento na transparência.

A criação desse sistema foi consequência direta da aprovação da Lei n°41/2007, lei que depois foi revogada pela Lei n° 15/2014, e que trouxe ao ordenamento jurídico a Carta dos Direitos de Acesso aos cuidados de saúde pelos utentes do SNS. Carta essa que definiu os Tempos Máximos de Resposta Garantidos (Couto, 2022, pg.25).

O sistema citado nos parágrafos anteriores foi criado por meio da portaria n°615/2008[23], juntamente com o seu Regulamento. Em 2013, a fim de aprimorar o sistema, o governo português publicou a Portaria n°95/2013, a qual não modificou os objetivos, mas alargou a aplicação desse sistema, incluindo a primeira consulta advindo do setor privado e introduziu o conceito da falta não justificada do utente, exigindo a justificação em prazo determinado (Couto, 2022, pg.26).

Mesmo com avanços consideráveis, a Portaria 147/2017 veio criar o Sistema Integrado de Gestão de Acesso (SIGA SNS), permitindo uma visão mais integrada dos dados dos utentes, com uma estrutura definida em três níveis: central, regional e local (Couto, 2022, pg.28).

Nesse mesmo ano citado no parágrafo anterior, foi publicado a Portaria 153/2017, a qual incluiu em seu bojo a Carta dos Direitos de Acesso mais recente, em seu anexo III e no anexo I os tempos máximos de resposta garantidos. Contudo, voltando a falar da Lei 15/2014, em seu artigo 25, número 3[24], exige que essa Carta dos Direitos de Acesso seja publicada anualmente, junto com os tempos máximos, porém a última publicada foi há 5 anos.

Quando esses tempos máximos não são respeitados, a solução encontrada foi criar um sistema de “transferência de utentes”, a fim de transferir os utentes para outros hospitais públicos. Também pode ser transferido para hospitais privados e do setor social que tenham convenio com o SNS. Caso também não seja possível nesses hospitais, é possível realizar em outros hospitais, caso esteja autorizado realizar esses procedimentos cirúrgicos e cumpram com os critérios de tempo de espera (Bacalhau, 2021, p. 28). Há ainda a opção de ser em outro país, hipótese essa que o SNS reembolsará o utente no futuro.

Ainda acerca da Lei n° 15/2014, em seu artigo 28°[25], é cristalino ao evidenciar que caso esses tempos de espera não sejam cumpridos, o utente tem o direito de reclamar para a ERS (Entidade Reguladora da Saúde).

Apesar de toda a regulação e tentativa de diminuir as listas de espera, os dados analisados por Cruz (2020,p.32), houve aumento de utentes que esperavam mais de 1 ano para atendimento em algumas especialidades, tendo a maioria dos utentes das lista de espera com idades dos 66 aos 85 anos. Como bem ponderou a autora, o período pandêmico aumentou as esperas por tratamento e fez perder todo o progresso adquirido nos anos anteriores.

Conclusão

Podemos concluir, ao analisar as duas legislações acerca da prestação de cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável, que o tratamento dessa matéria é muito distinto nos dois diplomas. Apesar da semelhança dos pilares que sustentam o SNS e o SUS: universalidade, gratuidade e generalidade, a forma de como enfrentam os problemas são totalmente diferentes.

No ordenamento jurídico brasileiro, a “fila de espera” dos cuidados de saúde oferecidos pelo SUS encontram pouca transparência, sem uma integração suficiente e sem normas que definam tempo limite de espera dos pacientes. Contudo, conforme observado durante o artigo, a resolução 259 da ANS, órgão governamental que regula a saúde suplementar, cria uma tabela com tempo máximo de espera por um atendimento. Ou seja, uma importância maior é dada aos hospitais privados, com uma regulamentação mais rígida e que dá contornos claros aos pacientes.

O interesse maior em regular melhor o setor privado, se deve ao fato de ser mais cômodo para o setor público, pois são pacientes a menos que buscam os seus serviços.

Outro problema apontado no artigo foi a judicialização da saúde, a avalanche de processos na justiça causada por falta de investimento, desorganização, e falta de transparência nas listas de esperas sobrecarregam a justiça de processos, com juízes tendo que decidir, muitas vezes sem tempo hábil para ouvir um perito. Importante mencionar que as ouvidorias e outros canais governamentais geralmente não conseguem resolver administrativamente, o que exige que somente pela via judicial conseguirá a  pretensão.

O conflito entre a teoria da reserva do possível X princípio do mínimo existencial é outro ponto que os juízes enfrentam diariamente e que a jurisprudência não é pacifica. Além do princípio da igualdade, tendo em vista que ao usar a decisão judicial para o paciente ultrapassar os demais na “fila de espera”, os demais atrasarão o seu atendimento mais e mais, sendo que por vezes prejudica o seu próprio tratamento e também pode ter o mesmo problema que o paciente que conseguiu uma decisão judicial favorável.

Por outro lado, Portugal passou por um caminho diferente no que tange às legislações acerca do tempo de espera para o tratamento, com legislações que tratam do tema desde o fim do século passado, com diversas atualizações e melhorias, a fim de criar sistemas mais integrados, transparentes e eficazes para diminuir a fila.

Todavia, apesar da diminuição da espera dos utentes aos cuidados de saúde, ainda há espera que por vezes possam ultrapassar os tempos definidos legalmente, caso este que pode ser o resolvido através da Reclamação e até intentar por vias judiciais, apesar de não ser tão comum essa prática de recorrer à justiça.

Portanto, penso que embora Portugal demonstre ter um sistema de saudade mais eficiente, os dois países podem aprender muito acerca de melhorar os serviços de saúde pública e reduzir os tempos de espera. Um investimento maior no setor é essencial, mas também deve haver uma politica pública que empregue melhor o dinheiro investido, a fim de ter mais eficácia e menos desperdício. Enquanto houver pacientes ou utentes esperando por tratamento e por vezes, prejudicando as possibilidades de cura de sua enfermidade, ainda haverá necessidade de melhoras do sistema a fim de cumprir com os ditames de um Estado social.


[1] “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

[2] “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

[3] “Artigo 64.º Saúde 1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover. (…)”

[4] “Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). § 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. § 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.” ( Artigo 4° da referida lei e que define o SUS)

[5] “Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS: I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; II – a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei; III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas ( Artigo 5° da referida lei e que trata dos objetivos do SUS)”

[6] “Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I – a Conferência de Saúde; e II – o Conselho de Saúde.” ( Artigo 1° da referida lei que dispõe sobre as instâncias colegiadas que cabe a saúde em sua divisão administrativa)

[7] “preferências ofensivas: as de natureza discriminatória e/ou cuja satisfação, considerando as decisões de política pública, causam dano à vida, à dignidade humana ou à liberdade de outros. Para ilustrar, o autor traz a atitude do tipo “preso tem mais é que morrer”. Poderíamos, para a saúde, lembrar como os negros e as mulheres que provocam o aborto são tratados com discriminação nas salas de emergência, sendo que, no primeiro caso, um dado epidemioló- gico da maior importância para a clínica, a incidência aumentada de hipertensão entre os negros, é, inúmeras vezes, escamoteada por preconceitos, e o AVC é confundido com embriaguez. Ou ainda, quando fumantes são preteridos em transplantes de pulmão e alcoolistas dos transplantes de fígado. – gostos caros: preferências cuja satisfação impõe exigências excessivas aos outros. Muitas vezes, os últimos avanços em biotecnologia podem se equivaler a “gostos caros”, por haver outros tratamentos menos custosos e de comprovada eficácia, ou, ainda, por serem experimentais e não gozarem de evidência suficiente para sua incorporação em um protocolo para um sistema de saúde universal. Isso sem mencionar a polêmica questão das cirurgias estéticas e da reprodução assistida. – preferências modestas: são as que fazem exigências mais modestas aos outros do que, fossem outras as circunstâncias, deveria ser o caso. Na saúde, seria uma medicina de pobres para pobres.” (preferências propostas por Vita que desafiam a justiça nas delimitações de quais necessidades atender  (Zoboli, Fracolli E Granja, 2010, p.187))

[8] “os tempos e as listas de espera podem ter efeitos prejudiciais para os doentes, para todos os que a eles estão ligados e para os próprios sistemas de saúde. Com efeito, enquanto um doente espera, a doença progride afectando, pelo menos potencialmente, os resultados do tratamento futuro que, aliás e em alguns casos deixa até de ser possível, pondo em causa não só o bem-estar do doente como a sua própria vida. Tal situação envolve riscos significativos e custos pessoais (morais, materiais, familiares, sociais e profissionais) que afectam os indivíduos e o sistema no seu conjunto” ( trecho retirado dos escritos de Aguiar (2018), porém a frase foi retirada dos ensinamento de Reis.

[9] “Robert Alexy (2001) define esse termo como “aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade”. Para esse autor, isso não tem como conseqüência a ineficácia de um direito à prestação estatal, mas expressa a necessidade de ponderar esse direito. Significa que direitos sociais, assim como todos os outros direitos fundamentais, não podem ser encarados como se tivessem conteúdo absoluto e aplicável a todos os casos de um modo definitivo, mas devem ser delimitados pela colisão de interesses verificados no caso concreto. A “reserva do possível” tem sido objeto de estudos também na doutrina brasileira. Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo (2008) trabalham com dimensão tríplice da reserva do possível: (i) efetiva existência de recursos para efetivação dos direitos fundamentais; (ii) disponibilidade jurídica de dispor desses recursos, em razão da distribuição de receitas e competências, federativas, orçamentárias, tributárias, administrativas e legislativas; e (iii) razoabilidade daquilo que está sendo pedido (2008, p. 30). Para esses autores, a reserva do possível não impede o poder Judiciário de “zelar pela efetivação dos direitos sociais”, mas deve fazê-lo com cautela e responsabilidade, consciente do problema da escassez de recursos (2008, p. 36).” Definição e ideias sobre a reserva do possível, escrito de Wang (2008, p.541)

[10] O voto proferido no Agravo de Instrumento nº 195.057-5/7-00 merece destaque, tendo em vista que cita a falta de recursos do Estado e o possível prejuízo à coletividade (julgamento em 5 de dezembro de 2000): “A orientação, que se colhe dos pronunciamentos do Pretório Excelso, é no sentido de que o art. 196 da CF é norma de eficácia imediata, independendo, pois, de qualquer normatização infraconstitucional para legitimar o respeito ao direito subjetivo material à saúde, nele compreendido o fornecimento de medicamentos… Entretanto, um tal direito subjetivo não é contemplado pela Constituição como sendo absoluto e incondicionado. A própria norma constitucional (art. 196) deixa claro se tratar de um direito perfeitamente vinculado ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. E mais, em se tratando de dever do Estado, que deve ser exercitado com base nos recursos previstos em orçamento público, fica ínsito seu condicionamento a regras da execução deste… somente com a padronização dos medicamentos compatíveis com determinados estados mórbidos e a previsão orçamentária de tais despesas poderá o Estado cumprir seu dever… A isto conduziria o uso da verba e dotação orçamentária, prevista para atender uma política de padronização de medicamentos para satisfação de uma coletividade, para a compra e fornecimento de determinado e especial medicamento para um cidadão, que obteve provimento jurisdicional nesse sentido.”

[11] “O entendimento de que o Poder Público ostenta a condição de satisfazer todas as necessidades da coletividade ilimitadamente, seja na saúde ou em qualquer outro segmento, é utópico; pois o aparelhamento do Estado, ainda que satisfatório aos anseios da coletividade, não será capaz de suprir as infindáveis necessidades de todos os cidadãos. Esse cenário, naquele caso, o ente público deve ser compelido a satisfazer a pretensão do cidadão. E o Poder Judiciário, certo de que atua no cumprimento da lei, ao imiscuir-se na esfera de alçada da Administração Pública, cria problemas de toda ordem, como desequilíbrio de contas públicas, o comprometimento de serviços públicos, dentre outros”. (STJ. Trechos da ementa do RMS 28.962/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 03/09/2009. LEXSTJ vol. 242, p. 55).

[12] “Segundo Schulze e Neto, a judicialização da saúde inicia-se a partir de duas hipóteses: a primeira situação ocorre quando se postula o exercício do direito já reconhecido, mas negado na via administrativa – como os medicamentos, tratamentos ou tecnologias já incorporadas no SUS ou nos planos de saúde. Já a segunda hipótese ocorre quando a discussão processual gira em torno de direitos não reconhecidos – como em tratamentos ou tecnologias ainda não incorporadas, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou sem comercialização no mercado nacional. Cabe, no caso da segunda hipótese, maior rigor na análise, pois não há previsão legal para a concessão do bem ou serviço demandado.” (Freitas, Fonseca e Queluz, 2020, p. 10)

[13] “A doutrina alemã entende que a garantia das condições mínimas para uma existência digna integra o conteúdo essencial do princípio do Estado Social de Direito, constituindo uma de suas principais tarefas e obrigações” (Sarlet e Figueiredo (2007))

[14]  “nem sempre a fila de espera para cirurgia pequena é sinônimo de maior eficiência no atendimento médico. Muitos serviços optam por manter a fila pequena artificialmente, negando-se a absorver novos pacientes com doenças cirúrgicas por determinados períodos de tempo ou os aceitando apenas na medida em que outros que já estão na fila sejam operados. Isso tende a manter um número constante de pacientes registrados aguardando a cirurgia” ( Sousa, M. B. A. D. (2021). As filas de espera no SUS e a interface saúde justiça.)

[15] A autora aponta ainda que a discussão que geralmente há para justificar a ineficiência do serviço público de saúde é a falta de recursos, porém ela ressalta, citando o economista Marcos Lisboa, que falta a discussão acerca da eficiência de como esses recursos são empregados. O uso eficiente dos recursos do SUS deve ser levado a discussão, por exemplo, como ampliar a produtividade dos instrumentos disponíveis. A aurora também aponta que o desempenho não é levado em conta ao injetar recursos nas unidades públicas de saúde, o que poderia diminuir o desperdício de recursos.

[16] “Art. 1º Esta Resolução Normativa – RN dispõe sobre a garantia de atendimento dos beneficiários de plano privado de assistência à saúde e altera a Instrução Normativa – IN nº 23, de 1º de dezembro de 2009, da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO.” (Resolução 259 da ANS)

[17] “Art. 3º A operadora deverá garantir o atendimento integral das coberturas referidas no art. 2º nos seguintes prazos: I – consulta básica – pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia: em até 7 (sete) dias úteis; II – consulta nas demais especialidades médicas: em até 14 (quatorze) dias úteis; III – consulta/sessão com fonoaudiólogo: em até 10 (dez) dias úteis; IV – consulta/sessão com nutricionista: em até 10 (dez) dias úteis; V – consulta/sessão com psicólogo: em até 10 (dez) dias úteis; VI – consulta/sessão com terapeuta ocupacional: em até 10 (dez) dias úteis; VII – consulta/sessão com fisioterapeuta: em até 10 (dez) dias úteis; VIII – consulta e procedimentos realizados em consultório/clínica com cirurgião-dentista: em até 7 (sete) dias úteis; IX – serviços de diagnóstico por laboratório de análises clínicas em regime ambulatorial: em até 3 (três) dias úteis; X – demais serviços de diagnóstico e terapia em regime ambulatorial: em até 10 (dez) dias úteis; XI – procedimentos de alta complexidade – PAC: em até 21 (vinte e um) dias úteis; XII – atendimento em regime de hospital-dia: em até 10 (dez) dias úteis; XIII – atendimento em regime de internação eletiva: em até 21 (vinte e um) dias úteis; e XIV – urgência e emergência: imediato. § 1º Os prazos estabelecidos neste artigo são contados a partir da data da demanda pelo serviço ou procedimento até a sua efetiva realização. § 2º Para fins de cumprimento dos prazos estabelecidos neste artigo, será considerado o acesso a qualquer prestador da rede assistencial, habilitado para o atendimento no município onde o beneficiário o demandar e, não necessariamente, a um prestador específico escolhido pelo beneficiário. § 3º O prazo para consulta de retorno ficará a critério do profissional responsável pelo atendimento. § 4º Os procedimentos de alta complexidade de que trata o inciso XI são aqueles elencados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, disponível no endereço eletrônico da ANS na internet. § 5º Os procedimentos de que tratam os incisos IX, X e XII e que se enquadram no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS como procedimentos de alta complexidade, obedecerão ao prazo definido no item XI.” (Resolução 259 da ANS)

[18] “Artigo 64.º Saúde. 1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.” (Artigo 64 da Constituição da República Portuguesa)

[19] “2. O direito à proteção da saúde é realizado: a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;”  (Artigo 64, número 2, alínea a) da CRP)

[20] “Base 20: Serviço Nacional de Saúde: 1 – O SNS é o conjunto organizado e articulado de estabelecimentos e serviços públicos prestadores de cuidados de saúde, dirigido pelo ministério responsável pela área da saúde, que efetiva a responsabilidade que cabe ao Estado na proteção da saúde. 2 – O SNS pauta a sua atuação pelos seguintes princípios: a) Universal, garantindo a prestação de cuidados de saúde a todas as pessoas sem discriminações, em condições de dignidade e de igualdade; b) Geral, assegurando os cuidados necessários para a promoção da saúde, prevenção da doença e o tratamento e reabilitação dos doentes; c) Tendencial gratuitidade dos cuidados, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos; d) Integração de cuidados, salvaguardando que o modelo de prestação garantido pelo SNS está organizado e funciona de forma articulada e em rede; e) Equidade, promovendo a correção dos efeitos das desigualdades no acesso aos cuidados, dando particular atenção às necessidades dos grupos vulneráveis; f) Qualidade, visando prestações de saúde efetivas, seguras e eficientes, com base na evidência, realizadas de forma humanizada, com correção técnica e atenção à individualidade da pessoa; g) Proximidade, garantindo que todo o país dispõe de uma cobertura racional e eficiente de recursos em saúde; h) Sustentabilidade financeira, tendo em vista uma utilização efetiva, eficiente e de qualidade dos recursos públicos disponíveis; i) Transparência, assegurando a existência de informação atualizada e clara sobre o funcionamento do SNS. 3 – O SNS dispõe de estatuto próprio, tem organização regionalizada e uma gestão descentralizada e participada.”

[21] “Artigo 4.º Adequação da prestação dos cuidados de saúde: 1 – O utente dos serviços de saúde tem direito a receber, com prontidão ou num período de tempo considerado clinicamente aceitável, consoante os casos, os cuidados de saúde de que necessita.(…)”

[22] “Artigo 25.º Objetivo e conteúdo: 1 – A Carta dos Direitos de Acesso visa garantir a prestação dos cuidados de saúde pelo SNS e pelas entidades convencionadas em tempo considerado clinicamente aceitável para a condição de saúde de cada utente do SNS, nos termos da presente lei.(…)”

[23] Tinha como objetivos, segundo Couto: “medir os tempos de acesso, harmonizar os formatos de gestão da informação e proceder à monitorização, ao longo do tempo, da dinâmica procura-resposta dos cuidados em causa

[24] “3 – A Carta dos Direitos de Acesso é publicada anualmente em anexo à portaria que fixa os tempos máximos garantidos.”

[25] “Artigo 28.º Reclamação: É reconhecido ao utente o direito de reclamar para a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), nos termos legais aplicáveis, caso os tempos máximos garantidos não sejam cumpridos.”

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